A formação do conhecimento do campo da sociologia é alicerçada a partir das contribuições fundantes dos autores considerados clássicos. Tal base é composta por intelectuais europeus. A apresentação a eles acontece, geralmente, logo nos primeiros semestres dos cursos de ciências sociais ou sociologia. A tradição europeia, por conseguinte, domina os currículos de tal forma que o espaço para a visibilidade e disseminação de estudos que criticam esse posicionamento e buscam por mais vozes, fora do eixo da imaginada elite científica, acabam escanteados ou com muita dificuldade para adquirir legitimidade. Observa-se a tradição de partir dos conceitos, categorização de fora, de autores europeus e também americanos para explicar outras sociedades como objetos de estudo. Intelectuais brasileiros ou nativos que refletem e/ou refletiram sobre a cultura não como objetos, mas como protagonistas, acabam menos ou não utilizados na formação dos cientistas sociais e das ciências humanas como um todo. Nesse campo de disputas agonísticas, podemos tratar de temas como o eurocentrismo, cientificismo, colonialidade do saber, epistemicídio, resistência, racismo, machismo e cisheteronormatividade na construção do/no currículo de ensino, seja ele institucional ou não institucional. Aprofundar as análises, desmantelando as redes de desigualdades sociais, configura-se como um dos fundamentos do pensamento sociológico, sendo assim, os cenários que são construídos durante os processos pedagógicos precisam de cada vez maior visibilidade e incentivo de mais e novos discursos além dos já reconhecidos. Esta proposta de grupo de trabalho (GT) busca fomentar a produção de projetos que buscam novas fontes, novos diálogos, evidenciar escritas e construção de saberes protagonizados por intelectuais negras/os, indígenas e brasileiras/os, latinoamericanas/os pouco presentes em debates teóricos e epistemológicos. A partir desse cenário, evidenciamos os debates, teorização e repercussão no meio acadêmico que refletem sobre eurocentrismo, epistemicídio e a colonialidade do saber. Sendo assim, este gt busca projetos que articulem, direta ou indiretamente, as construções epistemológicas entre as culturas americanas e africanas, de mulheres negras e indígenas, traços culturais de fala, implicados na constituição social, da corporeidade, demonstrando as práticas de resistência e a inserção desses discursos e das pessoas enquanto sujeitos, protagonistas. Desse modo, se recusando à construção clássica que coloca esses corpos como objetos e subalterniza suas existências nas elaborações pedagógicas no ensino de sociologia. Cada vez mais, intelectuais que nos apresentam análises sociais contundentes e inéditas ganham espaço nos cronogramas universitários através da reivindicação crescente de estudantes não brancos. Em vista de projetar ainda mais seu alcance, impulsionado, principalmente, pelo aumento da entrada da população não branca no ensino superior e a leitura de profissionais com proximidade com o movimento negro, nomeamos este gt com o termo afro-americanidade. Por meio dele, reafirmamos que a américa não é um país, mas sim um continente. A partir dessa questão, ressaltamos que ao falar de afro-americanidade estamos falando das experiências da américa como um todo, sobre as conexões entre a do sul, central e norte. Tais vivências não circundam apenas as delimitações geográficas, mas as histórias de resistências, elementos culturais compartilhados, os sequestros das pessoas de áfrica e dos povos que já habitavam esse território muito antes da invasão europeia. As experiências diaspóricas também nos tornam sujeitos afro-americanos. Ao mapear essas questões latentes, nos encaminhamos para direcionar o olhar para as referências da produção de pessoas afro-americanas, sobretudo, mulheres negras, cujo silenciamento na área de sociologia é contínuo ainda hoje. A falta de reconhecimento também se encontra nas produções de povos indígenas. As encruzilhadas que os marcadores sociais da diferença fabricam nas sociedades afastam muitas oportunidades de pessoas da comunidade LBTQI+ e pessoas com deficiência de alcançar uma formação e campo de atuação férteis. Dessa forma, a diversidade com que o entendimento e produção da valorização de influências dos nossos territórios e artefatos culturais é transformada no campo da sociologia também será reconhecida. Advertindo a quem pesquisa a produção de conhecimento no Brasil, o processo de retirada de um povo de sua terra natal, do seu continente, expressa na diáspora e em uma série de implicações sociais, nos deixam com uma complexa gama de experiências oriundas dessas configurações. Entendemos essas ações históricas por meio de redes de muita violência que constituem o Brasil, isso não se restringiu a seres humanos de outro continente, mas, também, dos povos originários que habitavam o território americano muito antes da apropriação europeia. Processo que culmina no silenciamento e tentativa de apagamento de outros discursos para além dos coloniais, ou seja, o epistemicídio. As produções de saberes europeus foram vistas como estruturantes, o que se desdobrou no apagamento dos demais grupos a partir do ideário de raças no brasil, carregado pelo mito da democracia racial e ideais eugenistas. A produção do saber intelectual sempre foi ampla e com diversas linguagens que não se restringe a legitimação clássica ocidental que ainda é branca, cisheteronormativa e com forte influência da linguagem e escrita europeia. Compreendemos, assim, que tais referências podem, igualmente, ser encontradas na música, no cinema, na literatura, na performance etc. A proposta, aqui, não é deslegitimar a diversidade de discursos, mas legitimar outras formas de construção de conhecimento que pouco foi/é valorizada por consequência do processo de colonização. A metodologia por meio da leitura interseccional, por exemplo, também integra as estratégias afro-americanas de compor práticas pedagógicas, pois ocupa-se de articular novas bases e discursos contra-hegemônicos. Simultaneamente, a interseccionalidade reconhece o atravessamento de marcadores sociais da diferença como raça, gênero e sexualidade nas experiências pessoais e coletivas. Com essas perspectivas, acolheremos trabalhos realizados em sala de aula, em projetos de extensão, monitoria, iniciação científica ou grupos de pesquisa com articulações conceituais que incorporem um posicionamento crítico, decolonial/descolonial, pós-colonial, feminista ou pan-africanista entre outros. Pretendemos acolher trabalhos, ensaios, práticas docentes e elaborações didáticas que valorizam as influências de intelectuais e práticas que não integram, necessariamente, as maneiras hegemônicas e eurocêntricas na composição das aulas e discursos cotidianos, ilustrando assim, o objetivo principal deste GT.
Coordenadoras/es: Camila Santos Pereira, Aline Correia Martins